"É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática."

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

FAXINA ÉTINICA - NA CONTRAMÁO DOS DIREITOS HUMANOS


O QUE É A “FAXINA ÉTINICA”?

Faxina Étnica é um processo de remoção de populações pobres do seu local de origem para atender interesses particulares angariados pela classe social hegemônica, muitas vezes camuflados por trás de políticas de urbanização ou de segurança.Na verdade, essas remoções servem, entre outras coisas, para valorização imobiliária de empreendimentos voltados para classes sociais abastadas que não querem que aqueles considerados “indesejáveis” circundem suas propriedades.Esse processo recebeu o nome de “higienização”, ou seja, um processo de “limpeza” local (vide o bairro da capital paulistana chamado Higienópolis: traduz-se literalmente em Higien (limpeza) Polis (cidade). Esse nome não foi dado ao acaso. Justificasse pelo fato da remoção da população que antes habitava esse para a criação de um “feudo” privado da elite econômica paulistana. O bairro paulistano da Liberdade, habitado no início do século XX por uma população majoritariamente negra, com a existência inclusive, de alguns quilombos, sofreu um violento despejo e extermínio de sua população para que os imigrantes nipônicos pudessem ter um bairro- reduto para sua colônia. A higienização não é alheia às intenções do Estado. Pelo contrário, ela só é possível pela ação efetiva do mesmo (ou no muito pela sua omissão ao permitir o uso generalizado da violência privada). Pode ser feito de três formas:1. Por extermínio direto (execução sumária por agentes do governo - policia, exército) ou indireto (precarização do atendimento médico) 2. Remoção arbitrária (despejo)3. Política de encarceramentoNo entanto, hoje existem outros meios de mover contingentes populacionais considerados indesejáveis. No bairro do Morumbi algumas empreiteiras que realizam obras no local contratam assistentes sociais para negociar a saída da população e assim, valorizar o seu empreendimento imobiliário. No rio de janeiro esse processo de higienização iniciou-se no inicio do século passado com o despejo de uma gigantesca leva da população pobre que ocupava áreas centrais nos inúmeros cortiços existentes. Graças a uma “política de planejamento urbano” patrocinada pelo Estado, esses cortiços foram demolidos e sua população foi obrigada a se dirigir para áreas degradadas, entregues a própria sorte, iniciando, a partir daí, a ocupação dos morros. O planejamento urbano alegado pelo Estado foi, basicamente, em prol da criação de bairros e obras que satisfizessem a ordem social e moral da elite econômica local. A higienização também pode ser desencadeada quando da iminência de eventos de cunho internacional em terra brasileiras. Nesses momentos, há um aumento significativo do deslocamento e aumento de vigilância sobre a população marginalizada. A conferência sobre meio ambiente ocorrida no Rio de Janeiro em 1992 (ECO 92) e o Pan-americano olímpico no mesmo Estado no ano de 2007, são alguns exemplos do aumento do aparato de coerção e da violência por parte do Estado sobre a população marginalizada. A presença ostensiva das forças militares nas ruas e nos morros durante esses dois eventos caracterizam essa afirmação. A visita de autoridades internacionais idem desencadeia a hostilização estatal. Em 2007, com a visita a São Paulo do então presidente dos Estados Unidos George W. Bush, a população de indigentes foi retirada das ruas à força pela polícia do Estado no trajeto feito pela comitiva presidencial. O mesmo ocorreu na visita do Papa Bento XVI no mesmo ano. O filme “tropa de elite”, embora seja uma obra de ficção, é perfeitamente embasada em procedimentos reais, principalmente no que tange o mote essencial do filme: a visita do Papa faz com que o BOPE, (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio) entre em ação subindo morros e exterminando seus moradores, grande parcela composta por pessoas negras e pobres. Nesse fogo cruzado nem sempre são traficantes são os únicos mortos. Porém, a relevância que se dá aos mortos civis em meio a essa guerra civil não anunciada é pequena, sobretudo por parte da mídia. As vítimas são contabilizadas como dados estatístico sem nome, rosto ou história. Mesmo que os mortos sejam infratores, os mecanismos democráticos não legitimam a execução sumária feita por esse grupo de extermínio a serviço do Estado. Dado o retrospecto histórico, o processo de agravamento da repressão tende a crescer daqui a alguns anos devido dois eventos de grande magnitude internacional: a copa do mundo de futebol em 2014 e as olimpíadas em 2016. Concluí-se, então, que o Estado tem papel relevante nesse processo de faxina étnica quando opta por agir de maneira drástica e violenta para combater a criminalidade em locais não assistidos, portanto, fora das garantias de igualdade inerentes ao ideal democrático, atuando muito mais nos efeitos ocasionados pela desigualdades sociais do que nas suas causas. Segundo o autor Thomas Hobbes em sua obra Leviatã (1651) a emergência do Estado nasce da necessidade de apaziguar os perigos que os conflitos entre os indivíduos causam as organizações humanas. Isso só é possível com o apoderamento de uma instituição absoluta e soberana, o Leviatã ( da mitologia grega, trata-se de um gigante colossal. O autor usou essa alegoria baseado nessa figura mitológica para ilustrar o poder que o estado deve ter diante dos seus “súditos”). Este gigante formado pela organização e legitimação de um grupo de indivíduos,tutelaria a sociedade exercendo, sempre que julgasse conveniente, o monopólio sobre a força. A prerrogativa hobbesiana, a medida em que tem por objetivo inibir o perigo “horizontal” ou seja, das pessoas matando umas a outras entregues ao seu estado de natureza, dá margem para o perigo “vertical”, de cima pra baixo, caracterizado pela morte dos indivíduos pelas “mãos” do Estado. O verniz ideológico contribui substancialmente para que essa realidade seja tratada com extremo eufemismo quando não invisibilizada e ignorada.



O CENÁRIO NEOLIBERAL COMO PANO DE FUNDO DA FAXINA ÉTNICA



Em 1988 um relatório internacional promovido por entidades como o Banco Mundial identificou dois grupos como perigosos ao bem-estar da sociedade dada a grande velocidade com a que se agigantavam: a) Os menores de ruasb) As pessoas que habitavam os bolsões de miséria que cresceram significativamente com a ascensão das políticas neoliberais.A tônica era dar cabo desses grupos, seja por meio de coerção e extermínio segundo um ponto de vista político direitista, seja pelo controle e gerenciamento advindo de um visão política de centro- direita. O aumento exponencial das populações miseráveis e dos menores de rua gerava (e ainda gera) uma tensão social que faz da desconfiança e do medo uma constante, principalmente em megalópoles como São Paulo. Fato é que o modelo neoliberal contribuir inegavelmente para o aprofundamento das disparidades sócio-economicas das sociedades capitalistas. Esse modelo, calcado no agravamento da competitividade por recursos escassos, gera um agudo processo de exclusão. Estima-se que este só é capaz de incorporar no seu dorso pouco mais de um terço da população do mundo. Isso faz com que uma gigantesca massa, excluída das benesses que o capitalismo produz, tenha que ser constantemente gerenciada, acarretando na tensão vinda de uma sociedade cada vez mais polarizada. A ideologia dominante cumpre um importante papel na amotização desse impasse ( por exemplo, disseminando o discurso que a ascensão social depende única e exclusivamente do esforço individual, descaracterizando a natureza excludente do sistema de acumulação incapaz de absorver a maior parte da sociedade). A coerção legitimada pelo monopólio absoluto da violência, prerrogativa constitucional dada ao Estado, é outra ferramenta indispensável para o controle da massa excluída.Devido o processo histórico brasileiro, marcado por cerca de trezentos anos de escravidão, a massa de excluídos é caracterizada por uma notória população negra e mestiça que foi, mesmo após a abolição, colocada fora dos planos de desenvolvimento social projetados pelo Estado. Cai sobre esta população o maior controle dado pelo extermínio direto (segundo dados do IPEA 77,4 jovens negros a cada 100 mil são assassinados violentamente pelo Estado a cada ano) e indireto (sucateamento evidente dos serviços de atendimento básico de saúde, falta de políticas de saúde que contemplem as peculiaridades da população negra como no caso de doenças como a anemia falciforme), pelo encarceramento (parte significativa da população carcerária é negra) e pelo monitoramento policial. O racismo institucionalizado pelo Estado e corroborado por instituições políticas internacionais não é só uma questão moral. É fundamentalmente uma questão de projeto político a serviço do ideal neoliberal político-economico.

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